O CRESCIMENTO DA AUTORREGULAÇÃO CORPORATIVA COMO RESPOSTA À PERSECUÇÃO PENAL EMPRESARIAL
- JA LOPES ADVOGADOS
- 12 de ago. de 2024
- 3 min de leitura
Nos últimos anos, observamos um aumento significativo na adoção de práticas de autorregulação pelas empresas. Esse movimento pode ser atribuído, em grande parte, ao rigor crescente na persecução penal empresarial. Mas o que exatamente é autorregulação corporativa e por que ela tem se tornado tão crucial?
Autorregulação corporativa refere-se ao conjunto de políticas e procedimentos internos que uma empresa adota voluntariamente para garantir o cumprimento das leis e regulamentos aplicáveis. Esses mecanismos vão além das exigências legais, buscando prevenir condutas ilícitas e promover uma cultura de ética e transparência dentro da organização.
Isso significa que, devido à intensificação das investigações e sanções contra crimes corporativos, as empresas estão cada vez mais assumindo o papel de regular suas próprias condutas e práticas internas. Esse movimento é impulsionado pela necessidade de evitar infrações legais e manter a conformidade com as leis, além de proteger sua reputação e evitar penalidades severas. A autorregulação envolve o desenvolvimento de políticas internas, procedimentos de compliance*, treinamentos e sistemas de monitoramento para garantir que todas as atividades empresariais estejam alinhadas com as normas legais e éticas.
A tendência em questão origina-se do direito comparado, onde as mudanças na governança e gestão empresarial foram impulsionadas por uma reforma significativa no combate à criminalidade econômica. Anteriormente restrita aos agentes públicos responsáveis pela persecução criminal, essa mudança ocorreu devido às sérias dificuldades em identificar e punir os responsáveis por delitos corporativos, dada a complexidade e a dispersão de responsabilidades neste setor. Nesse contexto, diante do reconhecimento pelo Estado de sua limitação em regular as atividades empresariais globalizadas, transferiu-se a função regulatória para entidades privadas, embora permaneça sob supervisão e responsabilidade estatais.
Como resultado dessa transferência de obrigações, essencialmente uma privatização da aplicação da lei, conhecida como "parapoliciamento" por Rigakos, as empresas passaram a auto-regular a gestão de riscos de suas operações de maneira preventiva e proativa, não apenas reagindo a suspeitas de infrações corporativas.
Tem ocorrido um foco crescente no combate a crimes econômicos no âmbito empresarial, com casos de fraudes significativas que afetaram corporações anteriormente bem conceituadas no mercado. Este fenômeno é global, refletindo a percepção de que, em um mundo sem fronteiras, o combate a esses crimes no nível nacional não é suficiente, devido à intensificação das relações comerciais entre empresas internacionais. Compreender e respeitar as proibições e regulamentações é essencial para uma campanha ética e bemsucedida.
A expansão do direito penal na pós-modernidade, atribuída por Malan a diversos fatores sociais como globalização econômica, integração em blocos econômicos supranacionais e avanços tecnológicos, resultou na administrativização do direito penal econômico como uma de suas principais consequências. No Brasil, essa tendência internacional se refletiu nas décadas de 80 e 90, em resposta às crises econômicas, com a promulgação de leis penais focadas em crimes financeiros, como as leis contra o Sistema Financeiro Nacional, Crimes contra a Ordem Tributária, Crimes contra o Meio Ambiente e Lavagem de Dinheiro
Na última década, o Poder Legislativo brasileiro intensificou a aprovação de leis que impõem obrigações de autorregulação às empresas privadas. Estas leis estabelecem sanções pelo não cumprimento das normas ou benefícios legais para aqueles que se adequam às diretrizes, como exemplificado pela Lei Anticorrupção e seu decreto regulamentador. Essas legislações impactam diretamente as atividades empresariais, impondo obrigações de vigilância e registro para prevenir a ocorrência dos delitos mencionados.
Os avanços tecnológicos e as complexidades na administração corporativa levaram o Estado a enfrentar desafios na investigação e punição de crimes empresariais. Como resposta, as empresas passaram a assumir responsabilidades de fiscalização e prevenção, desenvolvendo ferramentas internas de controle. Essa mudança reflete uma privatização gradual das funções de vigilância penal, com as corporações não apenas cumprindo normas legais, mas também reportando ilicitudes e promovendo uma cultura proativa de compliance. Surgiram novos papéis como o compliance officer e comitês de ética, além da necessidade de auditorias independentes e investigações internas para remediar práticas ilícitas. Este cenário demonstra uma transformação na gestão de riscos e na estrutura organizacional das empresas, impulsionando a adoção de valores éticos e morais em suas operações.
Compliance é um conjunto de práticas e procedimentos que garantem que uma empresa e seus colaboradores sigam as leis, regulamentações e normas internas e externas. O termo vem do verbo em inglês “to comply”, que significa “cumprir” ou “estar em conformidade”.
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